Antes de mais nada, manifesto meu profundo respeito e carinho aos cães. Mais do que "companheiros", eles possuem condutas que são incríveis, em um processo de cumplicidade simbiótica com o Ser Humano que, dificilmente, é visto em outras espécies.
Seguindo nossa postagem de hoje, vamos tentar explicar por quê, mesmo na tragédia, os cães se recusam em deixar o local. É, no mínimo, surpreendente.
Além de toda a tragédia humana e ambiental em Minas Gerais, há também um drama que foi notado pelos bombeiros que trabalham no resgate dos desaparecidos: os animais.
Os cães que viviam nas casas que foram destruídas no distrito de Bento Rodrigues se recusam a deixar o local e avançam em quem tenta tirá-los dali. Vários outros bichos como cavalos, patos e vacas têm sido resgatados, apresentando tremores, hipotermia e certa agressividade. Os cães resistem.
Para a doutora Ceres Berger Faraco, professora do curso de medicina veterinária da Uniritter e presidente da Associação Médico Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal, os cachorros também ficam em luto e, assim como os humanos, após uma tragédia, sentem estresse pós-traumático.
"As pessoas que os cães confiavam não estão mais ali. Muitos deles se perderam das pessoas. Eles estão inseguros e amedrontados. Isso é uma espécie de estresse pós-traumático. Houve uma mudança abrupta da rotina deles", afirmou.
A bióloga especialista em comportamento animal e fundadora da Ethos Animal, Helena Truksa, concorda com esta explicação. Para ela, os cães ficam completamente sem saber o que fazer em um cenário de destruição como o de Mariana (MG).
"Suas casas foram destruídas, sua família desapareceu ou morreu e eles se viram sozinhos em meio ao caos, sem saber ao certo como agir. Por terem perdido tudo, é normal que os cães prefiram ficar nos escombros da casa do que sair e se aventurar em um mundo desconhecido", afirmou.
Segundo Faraco, os cães não são naturalmente agressivos. Esses episódios ocorrem quando os animais sentem muito medo. Assim como as pessoas, os cachorros também sentiram a tragédia e perceberam que os vínculos que tinham com as pessoas e outros bichos se perderam.
"É claro que o cachorro não sabe qual é o motivo que causou seu estresse, mas ele percebe a mudança total de seu ambiente. Para se sentir seguro e tranquilo, o animal tem de ter um controle daquelas condições que fazem sua rotina", explicou. "Os cachorros esperam e sofrem de luto como a gente. A questão do estresse e da perda do ambiente é uma situação de luto. Eles ficam instáveis como nós", contou.
Para Truksa, os cães podem, inclusive, ter lembrança do momento mais estressante que passaram ao perderem a casa e os donos.
"Caso o cachorro vivencie alguma outra situação semelhante, nem precisaria ser no mesmo nível desta, poderia ser bem menos intensa, ou até mesmo a simples visão ou cheiro de algum detalhe que o cão tenha visto no dia, pode fazê-lo se lembrar instantaneamente do dia da tragédia, futuramente, se lembrará da experiência nociva e apresentará medo acentuado", contou.
"Os sintomas do estresse são respiração ofegante, aumento da frequência cardíaca e liberação de hormônios relacionados ao estresse na corrente sanguínea [cortisol]. A longo prazo, se não tratado, o trauma instalado pode se acentuar e comprometer a saúde do animal", completou.
Há também de se levar em conta que cachorros são bichos extremamente apegados ao território e, por isso, geralmente são mais resistentes em deixar o local onde costumam viver.
Em Bento Rodrigues, alguns bombeiros tentaram resgatar os cães que insistem em viver no meio da lama e dos escombros. No entanto, por causa da agressividade, a equipe de resgate desistiu e agora apenas alimenta os animais.
Para Faraco, após esse primeiro período de resgate das pessoas, é preciso repensar uma estratégia para tirar os cães que insistem em permanecer por ali.
"Existem pessoas treinadas para resgatar animais em acidentes. Os animais necessitam de um tempo de aproximação para conseguir a confiança ", afirmou.