4 dicas científicas sobre as melhores maneiras de conversar com crianças

Para a maioria dos adultos, conversar com crianças pode ser assustador. Não estamos falando apenas de crianças respondonas, mas também daquelas que não dizem absolutamente nada.

Felizmente, a ciência tem algumas dicas para nos ajudar a encontrar os melhores métodos a fim de obter respostas – reais e verdadeiras – de crianças.

Afinal de contas, há muitos mitos por aí sobre as crianças, como “Elas mentem o tempo todo”, “Elas são inocentes e não sabem mentir”, “Elas estão apenas dizendo algo porque seus pais lhes disseram para dizer”, “Elas sempre dizem exatamente o que seus pais não queriam que elas dissessem”, “Elas não dizem nada”, etc. Segundo a ciência, todas estas opções podem ser verdadeiras – que tipo de resposta você recebe de uma criança dependente da forma como você age, não da forma como ela age.


Aprenda a deixá-la falar

A grande maioria das informações sobre como falar com as crianças vem da pesquisa sobre as melhores práticas para entrevistas forenses.

Entrevistas forenses são entrevistas onde o objetivo é conseguir que uma criança lhe diga, com a máxima verdade, tudo o que ele ou ela viu ou que aconteceu com eles. Na maioria das vezes, é feita quando a criança é a testemunha de um crime ou a vítima de um. Por razões óbvias, esses entrevistadores estão sempre procurando minimizar a chance de que suas perguntas criem vieses para que as crianças deem certas respostas, e estão sempre tentando fazer com que as crianças falem a maior parte do tempo.

Felizmente, a maioria de nós não precisa falar com crianças para esta finalidade. Mas, se você estiver tentando ter uma conversa com uma, os conceitos podem ajudar muito.

Como o da narrativa prática. A ideia é deixar a criança confortável, antes de perguntar sobre algo sensível. E, se você estiver apenas perguntando sobre algum evento, deixe a criança lhe contar tudo sobre ele.

Quando uma criança não responde direito, muitos de nós têm o instinto de “ajudá-la”, fazendo perguntas “mais fáceis”. Assim, o convite “Diga-me sobre o seu cão” torna-se uma série de perguntas fechadas, onde o adulto acaba falando mais. Por exemplo: “Este é o seu cão?”, “Qual é seu nome?” e “Ele é marrom?”. A criança apenas responde: “Sim”, “Rex” e “Não”.

As perguntas abertas são questões que não podem ser respondidas com “sim” ou “não” ou uma única palavra. Em conversas de adultos, usamos perguntas fechadas o tempo todo – isso porque a maioria deles sabe que a pergunta “Este é o seu cão?” é um convite para lhe contar tudo sobre o seu cão. Crianças só veem uma pergunta de resposta “sim/não”, e param de falar depois de dar uma resposta.

Ou seja, adultos deveriam fazer convites abertos para obter respostas narrativas das crianças, como “Conte-me tudo sobre X” ou “Você disse X. Conte-me tudo sobre isso”.

Um estudo de 2007 entrevistou 52 jovens que foram vítimas de abuso sexual. As informações dadas pelas crianças eram mais propensas a ser confirmadas por outra fonte quando foram dadas em resposta a convites (perguntas abertas).

Um estudo de 1997 descobriu que crianças de 9 anos ou mais produziam cerca de 50 detalhes quando ouviam perguntas de respostas “sim/não” e 140 detalhes quando a prática da narrativa foi usada. As perguntas abertas significam que as crianças vão lhe dizer mais.

Outro estudo não só descobriu que questões abertas produziam mais respostas de crianças, mas que as perguntas fechadas produziam mais detalhes apenas conforme as crianças cresciam – conforme ficavam mais velhas, aprendiam a não entender perguntas fechadas literalmente.

No entanto, para a maioria das crianças, perguntas fechadas irão suscitar a resposta mais curta possível. Mais do que isso, perguntas fechadas podem fazer uma criança dizer-lhe coisas que ela sabe não serem verdadeiras, porque se sente pressionada a responder esses tipos de perguntas.


Tome cuidado com a indução

Por exemplo, um estudo realizado por Amanda H. Waterman, Mark Blades e Christopher Spencer entrevistou 73 crianças com idades entre 5 a 8 anos. Eles fizeram três perguntas abertas sensíveis (por exemplo, “O que os pássaros comem?”), três perguntas fechadas sensíveis (por exemplo, “O verão é mais quente do que o inverno?”), três perguntas abertas absurdas (por exemplo, “Onde círculos vivem?”), três perguntas fechadas absurdas (por exemplo, “Uma caixa é mais alta do que um joelho?”) e duas perguntas fora de ordem e absurdas (por exemplo, “É trovão mais forte sussurrar uma?”).

Todas as crianças foram informadas de que poderiam dizer que não sabiam a resposta e, quando perguntadas três semanas depois, quase todas as crianças identificaram corretamente as perguntas em uma de duas categorias: as que faziam sentido e as que eram “bobas”. Ou seja, elas entenderam que algumas eram absurdas.

Quase todas as crianças responderam às questões sensíveis, abertas ou fechadas, corretamente. E 90% das crianças responderam às perguntas absurdas abertas corretamente, dizendo que não sabiam. No entanto, 72% das crianças tentaram responder às perguntas fechadas absurdas, mesmo que mais tarde tenham dito que as perguntas eram “bobas”.

Isso é algo que realmente só vem à tona no contexto de entrevista forense, mas as implicações são importantes para qualquer um que converse com crianças: é importante deixar ela saber que pode responder “não sei” a qualquer momento. E mesmo com isso é preciso ter cuidado.

Um estudo de 1999 fez perguntas abertas e fechadas enganosas ou neutras a 157 crianças com idades entre 9 a 13 anos sobre sua viagem a um museu de ciências. Na primeira parte do estudo, quando as crianças tentaram responder a perguntas que não poderiam saber a resposta, o entrevistador reiterou que elas poderiam dizer: “Eu não sei”, e perguntou novamente. Isso diminuiu as respostas para as perguntas enganosas, mas também diminuiu respostas para as não enganosas.

Isto implica que reafirmar a instrução de resposta “eu não sei” durante a entrevista fez as crianças acreditarem que esta era uma resposta correta. Basicamente, as crianças são extremamente sensíveis aos sinais que você dá quando fala com elas.

Na segunda parte do estudo, a instrução “não sei” foi ampliada para também incentivar respostas corretas, o que resolveu o problema. No cotidiano, isso indica que você deve prestar atenção a suas próprias respostas. Você pode não saber que está fazendo isso, mas sorrir para uma determinada resposta pode fazer a criança repeti-la, na esperança de te agradar.

Outro interessante estudo de 2008 envolveu 99 meninos e 99 meninas com idades entre 4 a 7 anos que conversaram com um entrevistador que, em seguida, saiu da sala. Outro adulto entrou e fez uma de quatro coisas: 1) brincou com uma moeda e com Lego, 2) brincou com a moeda e o Lego, mas incentivou a criança a manter isso em segredo, 3) só brincou com a moeda e 4) brincou com a moeda, mas encorajou a criança a dizer que brincou com o Lego.

Em seguida, o entrevistador voltou e fez uma de três coisas: 1) entrevistou a criança normalmente, 2) tranquilizou a criança de que ela poderia dizer ao entrevistador qualquer coisa e que não iria ficar em apuros por isso, ou 3) pediu que a criança prometesse dizer a verdade.

O juramento foi o que aumentou o número de crianças que disseram a verdade, independentemente do que tinha acontecido quando elas passaram um tempo com o outro adulto. Isto implica que pedir a uma criança para te dizer a verdade é o que mais aumenta a chance dela fazer isso.


Escolha bem o que você pergunta

Tempo e números são realmente difíceis para as crianças. Um estudo pediu que 167 crianças de 6 a 10 anos dissessem sua idade, seu aniversário e qual era o mês atual. Aos 10, quase todas as crianças responderam as perguntas corretamente.

Além disso, todas elas estavam em um orfanato. Metade foi questionada sobre sua última casa e metade foi questionada sobre seu último julgamento (dia passado em uma sessão judicial), o que pareciam ser eventos que ficariam na mente de uma criança.

No entanto, apenas 56% das crianças mais velhas puderam responder corretamente a perguntas sobre o último local que moraram e apenas 52,78% delas souberam responder corretamente as perguntas sobre a sua última data de julgamento – o que é somente ligeiramente melhor que o acaso.

Outro estudo fez um evento em torno do Halloween para 86 crianças de 4 a 13 anos de idade. Três meses depois, elas foram questionadas sobre o evento. Menos de 20% se lembraram de que havia ocorrido próximo ao Halloween, e não eram melhores do que o acaso em responder se tinha sido antes ou depois do Halloween.

Ao falar com crianças, fique longe de perguntas sobre o tempo. As chances maiores são de que elas não serão capazes de dizer quando algo aconteceu.

Em termos de números, o mesmo estudo também analisou o grau de precisão das crianças em responder a perguntas sobre quantas vezes elas se mudaram ou foram para o tribunal. Muito, muito poucas puderam dar o número correto. E apenas cerca de dois terços das crianças respondeu corretamente a perguntas como “Uma vez ou mais de uma vez?”.


O que fazer e o que não fazer

Dentre algumas outras coisas que estudos descobriram que incentivam uma criança a falar, usar o nome dela, bem como usar vocais facilitadores (como “Uh-huh” e “Ah”) estão entre elas.

Já sobre o que não fazer, pesquisadores informam que convites obscuros (como apenas dizer “Diga-me mais” ou ainda “Diga-me mais sobre isso”) não ajudam.

Convites em forma de perguntas também não. Por exemplo, “Você disse X. Diga-me mais sobre X” com certa inflexão que torna-se “Você disse X?” e transforma a resposta em “sim/não”, interrompendo a narrativa da criança e podendo causar uma resposta errônea.

Fonte: io9