Tem faltado reciprocidade, para dizer o mínimo, na relação entre a indústria automobilística e o mercado consumidor brasileiro.
Vistos como estratégicos para o desenvolvimento econômico do país há pelo menos cinco décadas, objeto de privilégios e isenções fiscais concedidos pelo Estado, os fabricantes de veículos, em alguns aspectos, tratam os brasileiros como cidadãos de segunda classe.
É o que se depreende de pesquisa realizada pela organização NCAP (sigla em inglês para Programa de Avaliação de Carros Novos), que desde 1997 aplica testes de segurança em veículos europeus.
Segundo a entidade, os automóveis mais vendidos na América Latina, inclusive no Brasil, estão 20 anos atrasados em relação aos padrões de segurança vigentes nos países da Europa.
A falta de airbags e de cabines com estruturas adequadas, por exemplo, concede aos chamados modelos populares brasileiros a classificação de uma estrela, numa escala que vai de zero até cinco, cotação atingida pelos automóveis do mundo rico. "Uma estrela; isso quer dizer motorista morto", sintetizou David Ward, secretário-geral da organização.
De fato, o resultado é suficiente para levantar a suspeita, a ser comprovada, de que parte do crescente número de mortes nas ruas e estradas do país poderia ser evitada se equipamentos básicos de segurança fossem instalados em toda a frota nacional.
Segundo a NCAP, numa colisão de automóvel sem airbag ou freios antitravamento, em velocidade moderada (inferior a 70 km/h), há risco de morte para seus ocupantes, o que não aconteceria se o mesmo veículo estivesse equipado com tais mecanismos.
O secretário-geral da organização indica que a responsabilidade pelos problemas é, em grande medida, dos governos latino-americanos, que não exigem das montadoras testes de segurança adotados na Europa e nos EUA.
No caso brasileiro, há ainda um agravante. O excesso de benefícios concedidos às montadoras também é responsável pelo produto de segunda categoria, ao menos no item segurança, comercializado no país. Protegidos, por exemplo, pelo recente aumento de 30% do IPI para automóveis importados, os fabricantes locais se veem à vontade para cobrar preços mais elevados e ignorar avanços tecnológicos incorporados às unidades fabricadas em outros países.
Para baratear os modelos mais populares, um dos subterfúgios é abrir mão de itens de segurança, que possivelmente poderiam estar instalados no produto final caso houvesse um pouco mais de concorrência externa.
Compete ao governo, portanto, tomar as medidas cabíveis para induzir a indústria a mudar esse padrão de comportamento -por meio de normas técnicas, testes de segurança obrigatórios, contrapartidas para isenções e menos proteção.
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