Catástrofe no Nordeste – Desastre nascido nos oceanos

Doloroso. Aterrador. As imagens que chegam de Pernambuco e Alagoas são terríveis. Lembram cenas de áreas tropicais arrasadas por furacões ou tsunamis, tamanho o nível de devastação. O colega de equipe Alexandre Aguiar me comentava da semelhança de algumas das imagens com o desastre provocado pela chuva em Gonaives, no Haiti, mas a ironia é que se sabe dos riscos do Haiti e do Nordeste do Brasil vige o mito de que se trata da região do Brasil com clima mais "tranqüilo" e que paradoxalmente está passando pelo que pode vir a ser a mais grave catástrofe natural da história recente do país.
  
As dimensões da catástrofe no Nordeste são equivalentes a de uma guerra nas áreas mais afetadas. O governo de Alagoas confirmou a morte de 29 pessoas e o desaparecimento de outras 600. De acordo com a Secretaria da Defesa Social do Estado, 177.282 pessoas foram afetadas. Em Pernambuco, o número de vítimas chega a 12. Não há informações sobre desaparecidos. O número de desabrigados chega a 50 mil e 11.400 casas foram destruídas. Veja as imagens  aéreas da tragédia (clique sobre as fotos para vê-las ampliadas e em detalhes).
O que aconteceu em parte dos estados de Alagoas e Pernambuco guarda semelhança com o que ocorreu no Vale do Rio Pardo, aqui no Rio Grande do Sul, na primeira semana deste ano, e na região de Pelotas, em janeiro de 2009, logo é muito diferente das tragédias de Santa Catarina e do Rio, onde queda de encostas trouxeram vítimas e destruição. As mortes no Nordeste, na sua grande maioria, não decorreram de deslizamentos, mas de uma verdadeira massa de água, que moradores compararam a um tsunami, que "varreu" a região, levando tudo que tinha pela frente. Clique sobre a foto abaixo para ampliar e veja pela posição dos coqueiros e os demais danos como a água avançou sobre as cidades com ferocidade e rapidez que não permitiram às pessoas escapar.
  
Somente um volume de chuva extraordinário poderia provocar tamanha enxurrada. Em algumas áreas foram mais de 400 milímetros em tão-somente 72 horas. Observe no mapa com a chuva estimada por satélite dos últimos dias que o volume extremo de chuva foi muito localizado, o que ajuda a explicar a concentração severa de danos.
  
Uma tragédia colossal como esta que afeta os irmãos nordestinos sempre instiga uma série de questionamentos sobre as suas causas. Inicialmente, é importante deixar claro que esta é uma época do ano que costuma chover mais no Nordeste, especialmente nas zonas próximas do mar. A região sofre a influência das chamadas "ondas de Leste", as easterly waves ou ondas tropicais de instabilidade que se propagam da costa africana pelo Atlântico até o Nordeste do Brasil. Mais ao Norte, estas mesmas ondas dão origem a alguns dos furacões que assolam o Caribe e os Estados Unidos.
  
Veja o mapa acima com a anomalia de temperatura dos oceanos medida no dia 22 de junho e note como as águas do Atlântico estão mais quentes que a média na costa do Nordeste e em todo o trajeto percorrido pelas ondas tropicais entre a África e a América do Sul. Note, então, no mapa abaixo como este aquecimento não é dos últimos dias e tem sido uma constante neste ano.
  
Há estudos publicados, como de Teresinha Xavier, que correlacionam a TSM (temperatura da superfície do mar) no Atlântico com as ondas de Leste que chegam ao Nordeste brasileiro. Xavier, em um de seus estudos, propôs que "o aumento das temperaturas no Atlântico intertropical poderá representar a intensificação de chuvas, pelo menos no litoral da região.", acrescentando que "temperaturas mais elevadas na costa da África, ao sul da linha equatorial, levariam à intensificação das ondas de Leste, podendo implicar numa tendência de chuvas intensas na Zona da Mata". Me parece que este é um caso evidente. Algumas áreas do Atlântico tiveram no primeiro trimestre os maiores valores de TSM anotados em cem anos de observação. No Atlântico Sul, não se observava aquecimento semelhante desde 1972/1973. Os mesmos elementos de TSM descritos em comentário aqui na semana passada sobre uma possível temporada ativa de furacões neste ano no Atlântico Norte ajudam a explicar o que ocorreu no Nordeste. Por fim, não é possível correlacionar ainda, ao meu ver, o resfriamento do Pacífico com este episódio no Nordeste. Se houve alguma influência foi mínima, mas por ter se tratado de um evento isolado e as mudanças nos regimes de chuva não se operarem de forma automática à mudança de sinal no Pacífico parece-me que a resposta está muito mais no Atlântico do que no Pacífico. Mas, como nada se opera isoladamente, é minha crença que este enorme aquecimento do Atlântico tropical neste ano é resultado do intenso aquecimento das águas tropicais próximas do Equador em conseqüência do finado evento de El Niño.

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